(1) O primeiro são os pescadores. Não eram muitos, um grupinho de homens que cotidianamente saíam para encarar o dia e enfrentar a incerteza que o rio lhes apresentava. Homens que viviam com a insegurança de nunca saber qual seria o “ganho” do dia; incerteza nada fácil de gerir quando se trata de levar o alimento para casa e, sobretudo, quando nessa casa há crianças para alimentar. Os pescadores são esses homens que conhecem a ambivalência da generosidade do rio e a agressividade de seus transbordamentos. Acostumados a enfrentar durezas com resistência e teimosia, não deixam – porque não podem – de lançar as redes.
Esta imagem nos aproxima do centro da vida de tantos irmãos nossos. Vejo rostos de pessoas que desde muito cedo até a noite saem para ganhar a vida. E fazem isto com a insegurança de não saber qual será o resultado. E o que mais dói é ver que – quase ordinariamente – saem para enfrentar a inclemência gerada por um dos pecados mais graves que, hoje, açoita o nosso Continente: a corrupção. Essa corrupção que arrasa com vidas, mergulhando-as na mais extrema pobreza. Corrupção que destrói populações inteiras, submetendo-as à precariedade. Corrupção que, como um câncer, vai corroendo a vida cotidiana de nosso povo. E aí estão tantos irmãos nossos que, de maneira admirável, saem para lutar e enfrentar os “transbordamentos” (..).
(2) O segundo aspecto é a Mãe. Maria conhece em primeira mão a vida de seus filhos. Uma mãe que está atenta e acompanha a vida dos seus. Vai onde não é esperada. No relato de Aparecida, nós a encontramos no meio do rio, cercada de lama. Aí, espera seus filhos, aí está com seus filhos, no meio de suas lutas e buscas. Não tem medo de se submergir com eles nas vicissitudes da história e, se necessário, sujar-se para renovar a esperança. Maria aparece ali onde os pescadores lançam as redes, ali onde esses homens tentam ganhar a vida. Aí está ela.
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3) Por último, o encontro. As redes não se encheram de peixes, mas, ao contrário, de uma presença que lhes encheu a vida e lhes deu a certeza que em suas tentativas, em suas lutas, não estavam sós. Era o encontro desses homens com Maria. Depois de limpá-la e restaurá-la, levaram-na a uma casa onde permaneceu um bom tempo. Esse lar, essa casa, foi o lugar onde os pescadores da região iam ao encontro de Aparecida. E essa presença se fez comunidade, Igreja. As redes não se encheram de peixes, se transformaram em comunidade.
Em Aparecida, encontramos a dinâmica do Povo crente que se confessa pecador e auxiliado, um povo forte e obstinado, consciente que suas redes, sua vida, está cheia de uma presença que o alenta a não perder a esperança. Uma presença que se esconde no cotidiano do lar e das famílias, nesses silenciosos espaços nos quais o Espírito Santo continua sustentando nosso Continente. Tudo isto nos apresenta um belo ícone que nós somos convidados a contemplar.
Viemos como filhos e como discípulos para escutar e aprender o que hoje, 300 anos depois, este acontecimento continua nos dizendo. Aparecida não nos traz receitas, mas chaves, critérios, pequenas grandes certezas para iluminar e, sobretudo, “acender” o desejo de retirarmos qualquer roupagem desnecessária e voltar às raízes, ao essencial, à atitude que plantou a fé nos inícios da Igreja e, depois, fez de nosso Continente a terra da esperança.
Fragmentos da Carta do Papa Francisco aos bispos latino-americanos, no dia 8 de maio de 2017.
Texto completo: https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/2017/05/11/provocante-carta-do-papa-francisco-aos-bispos-reunidos-na-assembleia-do-conselho-episcopal-latino-americano-celam/
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