domingo, 23 de novembro de 2008

A força da fragilidade

Faz mais de 10 anos. A experiência ainda me soa forte no coração, como se tivesse acontecido nesta manhã. Fui visitar Assis, a bela cidade de Francisco e Clara. Era um momento desfavorável: numa segunda-feira, em meio a um vento frio e cortante de outono, meses após o terremoto que destruiu casas e abalou os templos.
Assis retratava, neste cenário de aparente desolação, uma beleza sem par, que não encontrei nas outras vezes que lá estive em peregrinação. Devido aos efeitos do terremoto, muitas igrejas estavam interditadas para restauração, lojas fechadas, e a cidade, vazia de turistas. Pude então percorrer os belos becos medievais em silêncio, escutar o som das águas no chafariz e nas fontes, distinguir o ruído típico do revoar de pássaros. Nada de comércio, de barulho, de gente dispersa.
De repente, o sol saiu tímido do meio das nuvens. Caminhei em direção à basílica de Santa Maria dos Anjos, localizada na parte baixa da cidade. Lá se encontram “uma igreja dentro da outra”. No centro da basílica está uma capelinha, antiga e rústica, que Francisco reformou, com seus companheiros. Ali ele celebrou momentos de crise, de descobertas e encontros. Muitos anos depois, construíram à volta de capelinha uma basílica, bela e alta. Ao me aproximar de “Santa Maria dos Anjos”, encontrei um sinal de advertência: “proibido ultrapassar”. Então percebi que a enorme cúpula da igreja ruíu e parte do material caiu. Mas a capelinha da porciúncula estava lá, de pé, do mesmo jeito. Resistiu ao terremoto sem sofrer danos.
Aquela imagem foi uma parábola para mim. A capelinha de Francisco, simples e pobre, permaneceu, apesar dos tremores do tempo. A grande basílica, bela, alta e ostentosa, não. Creio que neste momento da história as Igrejas cristãs devem aprender esta lição. Embora tenham que recorrer a muitos meios modernos para evangelizar, seu sustentáculo não está aí, mas em seguir a Jesus. Seu tesouro não reside no número de fiéis, no tamanho dos templos, na complexidade de suas instituições, ou no domínio da mídia. É na simplicidade, na busca do essencial, na presença solidária junto “aos últimos”, no espírito de diálogo e serviço à sociedade que reside sua riqueza perene. Esta aparente pobreza tem uma riqueza, que como diz Jesus, “nem o ladrão rouba, nem a traça corrói”. Pois, onde estiver o seu tesouro, aí estará o seu coração.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O sino e o microfone

Numa paróquia central de grande cidade, cercada de prédios comerciais e alguns edifícios residenciais, o padre resolveu comprar uns enormes sinos e colocá-los na torre da igreja.
Durante a reunião do conselho paroquial, o jovem sacerdote comunicou sua decisão aos leigos. A perplexidade tomou conta do grupo. “O senhor ganhou os sinos de presente?”, perguntou um bajulador, para tentar dissipar o mal estar. O padre lhe respondeu: “Não, absolutamente. Eles virão da Itália. Vamos pagá-los com o dinheiro do caixa da paróquia. E vai custar....”. Quando os leigos escutaram o preço, veio um sentimento de indignação.
Seu Pedro, homem sensato, pediu a palavra: “Padre João! Eu creio que nós devemos pensar sobre o que irá trazer bem maior para os nossos paroquianos. O sino pode ser bonito e vistoso, mas aqui, no centro da cidade, ninguém vai ouvi-lo. Vai ficar como um objeto de enfeite”. A discussão continuou acalorada. Alguns defendiam a compra dos sinos, lembrando com saudades dos bons tempos em que moravam no interior e os sinos ecoavam por todo o vilarejo.
Então Dona Mariana, que coordena a equipe de liturgia, disse: “Faz quase um ano que pedimos para melhorar o som da nossa Igreja. Os técnicos mostraram que o microfone está velho, o amplificador é fraco e as duas caixas acústicas são insuficientes para alcançar as 500 pessoas que vêm às missas dominicais. Fizemos três orçamentos, mas não tomamos a decisão. Proponho que, com esse dinheiro, renovemos o nosso sistema de som. O sino pode esperar. O som, não. Afinal, o povo precisa compreender o que se diz na missa, para celebrar bem e alimentar sua fé!”. Fez-se um longo silêncio. E após muita discussão, o padre e o conselho decidiram instalar um novo sistema de som da Igreja.
Este fato revela como gestão e espiritualidade estão presentes no cotidiano da ação evangelizadora. Sob o ângulo da gestão, é fundamental “manter o foco no seu público-alvo”. Os investimentos e os recursos devem ser dirigidos, em primeiro lugar, para as atividades que beneficiem diretamente seus interlocutores e tragam resultados visíveis. Neste caso, um sistema de som eficiente visa melhorar a comunicação e aumentar o envolvimento da comunidade nas celebrações litúrgicas. Um sino tem seu lugar, mas neste momento não é prioritário. Ser gestor significa continuamente fazer escolhas, ponderar antes das decisões, levar em conta a relação custo x benefício. Uma gestão participativa tem possibilidade de ser mais eficaz, pois reúne diferentes pontos de vista, para alcançar melhores resultados.
Olhando o mesmo fato, sob o ângulo da espiritualidade, dizemos: o que orienta ação da Igreja é o desejo de que Jesus seja conhecido, amado e seguido. O foco na evangelização leva a edificar a Igreja como comunidade de irmãos e irmãs. Por isso, as decisões são amadurecidas à luz da fé, na escuta dos apelos do Espírito de Deus na nossa realidade. O discernimento leva a purificar as motivações e a buscar “o maior bem possível” da comunidade cristã.Assim, a espiritualidade ilumina as mentes e os corações no âmbito das motivações e dos valores, enquanto a gestão serve para alcançar resultados, com eficácia.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Falta um pecado!

Vanderlei, jovem padre recém-ordenado, é chamado para atender os jovens crismandos da comunidade, no sacramento da reconciliação. Acolhe com paciência e alegria cada um dos quase 50 adolescentes e jovens. Para sua surpresa, apesar de grande diversidade de expressões, roupas e tipos físicos, os jovens relatam praticamente os mesmos pecados. Ele fica sem entender. Pensa consigo mesmo: “Dizem que o mundo de hoje é tão plural, que as pessoas pensam diferente, mas aqui é tudo muito igual...”
Antes da missa de domingo à noite, aproxima-se dele um adolescente de cabelos longos, barba rala, brinco na orelha, e um vivo olhar. Um pouco acanhado, Anderson lhe diz:
- Padre Vanderlei, eu esqueci um pecado da lista. Falta um pecado.
- Que lista?
- A lista dos pecados, que a catequista deu para gente.
Vanderlei se contém e nada fala. No fim de semana seguinte, convida Anderson para uma conversa. Após momentos descontraídos, que serviram para iniciar uma relação de confiança, o padre lhe pergunta:
-O que você achou da lista de pecados?
Anderson pensa um pouco, olha nos seus olhos. Então acontece um diálogo:
- Véio, posso ser sincero? Acho horrível! Se eu contar para meus amigos, eles não vão acreditar que hoje tem uma lista dessas. Eles (os catequistas) tratam a gente de maneira infantil. Eu não preciso de lista de coisas erradas. Eu sei que tem muitos jovens por aí que estão perdidos, sem rumo, já não sabem o que é certo ou errado. Mas, uma lista destas é ridícula!
- Se você fosse o catequista, o que faria?
- , gostei da sua pergunta, padre. Isso é que está faltando na catequese da crisma. Elas não perguntavam nada para gente. Já traziam as respostas prontas. Imaginavam que a gente não tem nada na cabeça.
- Então, o que você faria? (insiste Padre Vanderlei).
- A gente não quer regras para engolir goela abaixo. Eu faria a “lista de pecados” junto com a galera. Eu daria algumas dicas para a conversa não se perder, e questionaria muito, para que pensassem nas suas atitudes.
- Gostei do que você disse! Então você pensa que as pessoas precisam de critérios para julgar, não de listas prontas. O pecado existe, mas ele não é o mais importante na vida cristã.
- Isso! Não agüento este povo que só fica enchendo a nossa cabeça de culpa. Eu acho que precisamos fazer também outra lista. Uma lista aberta. A lista da “corrente do bem”, das coisas que nós podemos fazer para mudar este mundo. Dá até para começar uma comunidade no Orkut! A Igreja tem que mostrar pra gente que é melhor fazer as coisas certas, ser criativo, estar linkado com o bem, do que estar nessa neura de pecado prá todo lado. Ser santo não é ser bobo!
Vanderlei pôs a mão no queixo. Seu semblante ficou sério. Depois, veio um discreto sorriso. Percebeu que tinha muito que aprender! Este foi um sinal para a sua vocação. Como Padre, ele não seria simplesmente o ministro do altar e do púlpito, e sim um pastor e companheiro dos jovens. E sobretudo, um agente de mudanças, junto com os leigos. Era o começo de uma fascinante missão.